Encerrado para Balanço: A Falência Moral de um País

Luis Munguambe Junior"

Mas afinal, quantos de nós pregamos “façam o que eu digo e não o que eu faço”? Essa frase, tantas vezes dita com ironia, espelha a podridão moral que nos governa e que se espalha como uma praga pelas nossas ruas, pelas nossas instituições e pelas nossas consciências. Vivemos num País onde a corrupção deixou de ser notícia para se tornar hábito. Já ninguém se espanta com o roubo, o desvio, o favoritismo ou a mentira — espanta-se, sim, quando alguém decide ser honesto.

Se Moçambique fosse uma empresa, estaria encerrado para balanço, os livros com erros graves e as contas manipuladas. A gestão falhou, o produto perdeu qualidade e os clientes, o povo, continuam a pagar caro por um serviço que nunca chega. A moral nacional entrou em liquidação e o estoque de vergonha acabou há muito tempo. Quando os grandes se corrompem, os pequenos seguem-nos. Quando os filhos dos dirigentes, alguns que nunca trabalharam um dia na vida, desfilam classe em carros de luxo e banquetes com amigos de ocasião, é porque a corrupção compensou. É porque o exemplo veio de cima. Enquanto isso, nós jovens, alguns formados, competentes e com sonhos de servir o País, andam de porta em porta com currículos na mão, vendendo amendoins, recarregando telemóveis ou emigrando para sobreviver. Porém, não por falta de capacidade, mas sim, por excesso de nepotismo.

A meritocracia morreu.
O emprego tornou-se herança e o esforço virou motivo de troça. Hoje, quem trabalha com honestidade é visto como atrasado. O “jeito” substituiu o mérito, e a bajulação virou profissão. Quem critica o sistema é rotulado de ingrato ou inimigo. E quem cala, colhe migalhas de um banquete que devia ser de todos e para todos. Mas será por falta de lei que o país está como está? Creio que não. Deixe-me lhe dizer, Moçambique tem boas leis, entretanto, o que falta é consciência. Nenhuma legislação será eficaz enquanto quem a aplica for o primeiro a violá-la. O Código de Estrada não impede o automobilista ilegal, o Código Penal não intimida o ladrão e as comissões “por fora” continuam a ser a regra em qualquer transacção pública.
A impunidade é o cimento que sustenta a corrupção.

Mas não é só o Estado que esta em decadência, a sociedade inteira. Aprendemos a normalizar o desvio, o suborno e a mentira. Roubam-nos à luz do dia e aplaudimos. Fingimos que não vemos, porque talvez um dia sejamos nós os beneficiários do mesmo esquema. A corrupção já não é o problema de alguns; é de todos nós.

Na educação, o cenário é uma caricatura. Escolas em péssimas condições para se estudar, professores desmotivados e alunos sem futuro. Estudar tornou-se um acto de resistência. O conhecimento já não é valorizado, porque se sabe que o diploma, por si só, não garante nada. O País forma gerações de jovens instruídos, mas desempregados, inteligentes e frustrados.
Como se constrói uma nação quando o saber não tem utilidade?

Na saúde, o drama é igual ou pior. Hospitais sem medicamentos, partos à luz do telemóvel e doentes tratados como mercadoria. Quem tem dinheiro, vai às clínicas privadas; quem não tem, entrega-se à sorte. Médicos operam milagres com o que têm, mas a negligência institucional é tão grande que já se tornou rotina ver vidas a perderem-se por causa de um sistema desumano.
A saúde pública está a respirar a tubos neste momento, e quem devia tratá-la, lucra com a sua doença.

E a pobreza? É o rosto mais visível da nossa falência. Crescem os bairros de lata, as crianças descalças, os vendedores ambulantes, os desempregados e os desesperados. Cresce também a ostentação dos que enriqueceram sem trabalhar, com contratos públicos e esquemas de corrupção. É um país de extremos: uns comem demais, outros procuram comida no lixo. E o mais triste é que já nem isso choca.

Falamos de desenvolvimento, mas os esgotos continuam abertos. Desenvolvimento económico, mas o pão continua ausente na mesa. Falamos de democracia, mas o povo não tem voz. Falamos de liberdade, mas quem fala demais é silenciado.
Há uma distância abismal entre o discurso e a prática — e é nesse abismo que a verdade se perde.

Vivemos uma crise de valores mais grave que qualquer crise económica. O problema não é o dólar, nem a inflação — é a ausência de ética. A corrupção deixou de ser um desvio para se tornar cultura. As consciências estão anestesiadas e o futuro, hipotecado.
As leis existem, mas o carácter evaporou. Por isso, sim, talvez devêssemos mesmo encerrar o País para balanço. encerrar as portas, desligar as luzes e começar de novo.
Precisamos de fazer o inventário da nossa alma colectiva, contar os valores perdidos e decidir o que ainda vale a pena salvar.
Porque o país não precisa de mais discursos, precisa de
vergonha na cara, de líderes com consciência, e de cidadãos com coragem de dizer basta.

Enquanto continuarmos a viver de aparência, bajulação e silêncio cúmplice, nada mudará. Continuaremos a ser governados pelos mesmos rostos, com os mesmos vícios, sob as mesmas desculpas.
E a cada dia que passa, o país afunda-se mais um pouco, por
excesso de corrupção e escassez de carácter.

Encerrado para balanço, é o que devíamos estar.
Não por trinta dias, mas até que cada um de nós reencontre a sua consciência.
Porque nenhuma nação sobrevive quando os seus cidadãos perdem a vergonha.

2025/12/3