
Luis Munguambe Junior"
A conta… ah, a conta chega sempre. Não olha para o teu esforço, não espera o teu salário cair. Simplismente chega. E, claro, não é nunca de forma justa. Sempre sobre nós. Sempre. E é engraçado como, no meio de toda essa correria, continuamos a acreditar que algum dia ela poderia ser diferente. Mas não é. Nunca foi. O salário chega, às migalhas. As contas chegam, longas. A água não espera, a luz não espera, a escola não espera. O transportador cobra, a farmácia cobra, até aquele amigo que prometeu ajuda… também cobra. E no meio disso tudo, ainda somos obrigados a sorrir, a manter a calma, a dizer que “vai correr tudo bem”. Vai? Não vai. Mas sorrimos. Porque sorrir tornou-se obrigatório. Um requisito social. Uma máscara que se exige de quem quer continuar a existir neste País. O vendedor da esquina que vende pão todos os dias sabe bem do que falo. Cada nota que entra na mão dele desaparece antes de aquecer os dedos: aluguer, luz, água, comida, combustível… e o resto? Mal dá para respirar. O jovem empreendedor que tenta erguer um pequeno negócio sente o peso da economia apertada, paga taxas, impostos, energia, água, fornecedores… e ainda há quem diga que ele é sortudo por ter emprego. E o pior: cada dia vivido é uma corrida contra o tempo, contra a inflação, contra a burocracia. Porque no País onde a conta cai sobre nós, a sobrevivência é maratona e obstáculo ao mesmo tempo. Enquanto isso, os que deviam fazer algo continuam intocáveis. Grandes empresas desviam milhões, branqueamento de capital, esquemas de corrupção prosperam, privilégios políticos e económicos permanecem intactos. A conta cai sobre nós; nós pagamos. Sempre. Nunca sobre eles. É como se a injustiça tivesse uma régua própria, uma balança invertida, onde quem mais trabalha e mais paga é quem mais sente o peso. E é assim que se aprende cedo que a vida não é justa. Que “responsabilidade individual” significa carregar o peso do sistema. Que reclamar é luxo que poucos podem pagar. Que, no final, a lição é clara: a conta vai cair sobre nós. Sempre. Mas há algo de incrível nisso tudo. Apesar da injustiça, continuamos. Acordamos todos os dias, enfrentamos transportes lotados, filas intermináveis nos bancos e serviços públicos, atravessamos a cidade com os olhos atentos para não sermos atropelados pelo trânsito caótico, e ainda assim, seguimos. Trabalhamos, estudamos, cuidamos da família, e continuamos a sorrir. E esse sorriso, mesmo cansado, é resistência. Silenciosa, mas resistência. A conta sempre cai sobre nós, mas o facto de continuarmos de pé é a prova de que não fomos derrotados. Que estamos vivos, conscientes, atentos. Que mesmo cansados, não nos deixamos esmagar. Porque sobreviver aqui não é apenas cumprir horários ou pagar contas: é um acto de coragem diário. Pensa no que significa viver num País onde os transportes públicos te deixam horas à espera; onde, se o salário atrasa um único dia, já sentes o impacto em toda a tua rotina; onde a luz e a água podem desaparecer sem aviso, e ninguém te dá explicações. A conta cai sobre nós. Sempre. E aprende-se a rir disso, mesmo quando a vontade era de chorar. Porque a ironia é, muitas vezes, a única defesa que resta contra a frustração. O cansaço não é só físico. É mental. É emocional. É sentir que cada esforço feito é absorvido por um sistema que não recompensa mérito, que não premia esforço, que não reconhece dignidade. O jovem que estudou anos a fio, investiu horas, energia e dinheiro, descobre que as oportunidades são limitadas, que a economia sufoca, que o mercado privilegia quem já tem, que a burocracia trava quem quer avançar. O vendedor, a mãe, o estudante, o jovem empreendedor — todos sentem a mesma pressão silenciosa: a conta sempre cai sobre nós. E essa pressão molda a vida. Ensina-nos a antecipar problemas, a ter sempre um plano B, a desconfiar das promessas governamentais, a aprender que “quem não aguenta é fraco”, quando, na realidade, apenas estamos a viver com o sistema a pedir mais do que podemos dar. Aprende-se que sorrir é estratégico, que engolir sapos é obrigatório, que continuar de pé é a única vitória possível. O pior é quando passamos este cansaço adiante. Educamos os filhos para aceitar filas, para não questionar a demora, para não reclamar da injustiça silenciosa. Ensinamos-lhes o manual do cidadão funcional: aguenta, adapta-te, sorri, sobrevive. Porque aprender a desafiar o sistema é perigoso. Aprender a sobreviver é seguro. E, no entanto, há uma beleza silenciosa nisso tudo. Continuar, apesar da injustiça, é um gesto de rebeldia. Continuar a trabalhar, a estudar, a criar, a sorrir — mesmo quando tudo conspira contra nós — é resistência consciente. É o gesto que prova que, por mais que nos empurrem, ainda temos força para manter a dignidade, ainda temos força para existir. A conta sempre cai sobre nós, mas não nos destrói. Ensina-nos a ser resilientes. Ensina-nos que sobreviver é mais do que passar o dia; é manter a consciência de que estamos a resistir, que mesmo cansados, não cedemos. Que mesmo exaustos, ainda temos capacidade de sonhar, de lutar, de imaginar um futuro melhor. No fim, a questão não é “quem paga?” — todos pagam. A questão é: quem ainda consegue continuar, consciente, mesmo sabendo que a vida vai cobrar sempre mais do que podemos suportar? A resposta é: nós. Sempre nós. E neste país onde a conta é infalível, onde a injustiça é quase regra, a sobrevivência é uma forma de revolução diária. Pequena, silenciosa, mas humana. E o sorriso que nos mantém de pé, apesar de tudo, é o gesto mais poderoso que ainda nos resta. Porque no final, sobreviver não é apenas existir. Sobreviver é resistir. É olhar para a conta que chega e dizer, sem palavras, que ainda estamos de pé. Que ainda temos força. Que ainda somos humanos. Que ainda somos nós.2025/12/3
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