Luís Júnior"
O silêncio cúmplice das autoridades já não surpreende ninguém. Quem ainda não percebeu isso, ou anda distraído, ou finge que não vê. Em Cabo Delgado, o cheiro a sangue tornou-se banal, a pólvora faz parte do quotidiano, e o ribombar das balas é a banda sonora de quem tenta sobreviver. Mas há quem viva bem com isso — e não me refiro apenas aos insurgentes com discursos manhosos de fanatismo religioso e metralhadoras ao ombro. Refiro-me aos engravatados, aos bem posicionados, aos que assinam acordos em salas climatizadas enquanto o povo enterra os filhos sem tempo nem espaço para chorar. É preciso dizê-lo sem rodeios: a guerra em Cabo Delgado é um negócio. Um negócio rentável, nojento e muito bem gerido. Cada deslocado é um número que justifica mais financiamento. Cada massacre abre a porta a novos "apoios à segurança". Cada aldeia incendiada serve de cenário para alimentar relatórios e agendas políticas. Há oficiais que fazem carreira sobre cadáveres. Há organizações que se multiplicam em nome da "ajuda humanitária", mas que vivem melhor que os que dizem proteger. E há, acima de tudo, um Estado que faz de conta que combate uma guerra que, na verdade, nunca quis resolver. E os recursos? Pois. Fala-se pouco disso, como se o gás natural, os rubis e a madeira de qualidade fossem simples coincidência geográfica. Mas todos sabem — ou deviam saber — que o conflito é menos religioso e mais económico. Cabo Delgado foi transformado num tabuleiro de interesses, onde o povo é apenas uma peça descartável. Quem grita por justiça é silenciado, quem tenta denunciar é rotulado de inimigo. A guerra não é um acidente: é um plano. Os deslocados vivem em campos improvisados, debaixo de lonas oferecidas por doadores internacionais. Mas a comida escasseia. Morrem aos poucos, ignorados. A sua miséria serve para engordar relatórios, para garantir convites para conferências, para gerar likes e manchetes. Mas soluções, concretas, quase nenhumas. Enquanto isso, os que alimentam esta guerra fazem brindes em Maputo e no estrangeiro, entre jantares e negócios. Assinam contratos em inglês técnico e apresentam relatórios de “impacto ambiental” que nunca viram o terreno. E sorriem, claro. Sorriem com a fome, com o medo, com a certeza de que o povo continua desinformado, dividido e cansado demais para reagir. Porque neste País, criticar virou crime, exigir virou afronta, e pensar com cabeça própria é acto de coragem. Mas há uma pergunta que insiste em não morrer: até quando? Até quando vamos assistir, de braços cruzados, à destruição de uma província inteira em nome do lucro? Até quando vamos permitir que o sofrimento de um povo seja moeda de troca nas mãos de quem se diz patriota? Até quando vamos fingir que isto é apenas “terrorismo”? A guerra em Cabo Delgado não é só um falhanço do Estado. É um plano, uma estratégia, um investimento de longo prazo. E quem o alimenta, sorri — sorri com a fome, com a morte, com o silêncio.2025/12/3
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