Justiça Amordaçada: Quem Manda Matar em Nome da Ordem?

Luís Júnior"

Eu não entendo como podemos viver num País onde a autoridade que escolhemos para proteger-nos se transforma em algoz. Em nome da “ordem”, disparos sepultam qualquer ilusão de democracia a madrugada, corpos caem à beira‑rua e, minutos depois, os mentores dos homicídios cospem na cara de quem ainda acredita na Justiça. Pergunto-me, todos os dias: quem manda matar em nome da ordem?

Na Matola, assassinaram Na quarta-feira, 2 de Julho, dois oficiais superiores da PRM foram passados a ferro em Infulene, Manduca. António Domingos Cavalo, inspetor-chefe da 7ª esquadra de Maputo, e Abílio Janeiro, agente do SERNIC, levaram 54 balas no corpo. Cinquenta e quatro. À luz do dia. No meio da rua. Sem vergonha, sem disfarce. A polícia virou alvo, a cidade, campo de caça.

No meio do tiroteio, uma mulher de 78 anos atingida por uma bala perdida - mas, neste País, nada é mesmo “perdido”. Tudo tem endereço. Enquanto isso, os mandantes provavelmente sorriam atrás de secretárias climatizadas, com café quente e escolta à porta. Dois dias depois, a 4 de Julho, mais quatro homens foram executados à queima-roupa, perto da paragem Tribunal, ao lado do monumento do ANC e do Centro de Saúde da Matola. Corpos largados no carro e na estrada, como se fossem lixo. É o terceiro massacre deste tipo em menos de um mês. A cidade cheira a pólvora e impunidade.

A “investigação” é uma anedota de péssimo gosto. Suspeitos sem rosto, provas que evaporam, silêncio que ensurdece — e, no fim, como sempre, ninguém dentro. Ninguém. Isto não é justiça. Isto é um espectáculo macabro, com actores armados e figurantes calados. É um teatro de horror onde o Estado finge que governa e nós fingimos que estamos vivos. Isto é justiça ou teatro de horror?

Nas ruas, manifestantes pacíficos foram recebidos com balas de borracha e armas de guerra pelos mesmos agentes que juraram defender a Constituição. Seis polícias foram até condenados — mas com três meses de prisão suspensa e multa simbólica. Punição ou condecoração disfarçada?

Políticos da oposição caem em emboscadas sem explicação: o advogado de Mondlane e o mandatário Guambe mortos sem rosto para identificar. Militantes de partidos menores tombam antes do sol nascer, sem inquérito sério, sem mandados de captura, sem nome de mandantes. Quem decide quem vive e quem morre no meu País?

Enquanto isso, as estatísticas oficiais anunciam 96 mortos pós‑eleitorais; organizações de direitos humanos falam em 300. Discrepância? Não. É o reflexo de um Estado que escolhe quantas vidas quer reconhecer. São números manipulados, vidas transformadas em ficha técnica. Aqui, a morte tem estatuto de dado político.

E o povo? Ficamos nós, a dividir o medo em doses diárias: “Não vás a essa zona”, “Não cries confusão”, “Não abras a boca”. Somos obrigados a trancafiar o nosso direito à indignação, a amordaçar a voz para não irritar quem empunha arma e distintivo. Onde foi parar o direito de exigir segurança real?

A justiça está amordaçada porque quem devia investigá‑la participa do crime ou fecha os olhos. Quando um polícia é assassinado, o caso morre. Quando um líder do povo cai, o caso morre. Quando um manifestante é ferido, ninguém vê. A impunidade tornou‑se a lei não escrita.

Está na hora de rasgar o véu da conivência. Exigir não apenas investigações, mas resultados. Punições reais, mandantes e executores no banco dos réus. Transparência sobre operações policiais. Direitos humanos valorizados acima da “ordem pública”.

Porque, ordem sem justiça é tirania. Quem mata em nome da ordem não pode continuar a gozar de imunidade. Não há espaço para desculpas: a impunidade cobre de sangue as ruas da Matola e de todo o País. Estes assassinatos não são meros números: são feridas abertas no corpo do Estado de Direito. Justiça amordaçada é crime — e a cada bala disparada, enterram-se um pouco mais a credibilidade e a alma do meu País.

2025/12/3