Onde esta o Governo deste país?

Jornal Preto e Branco"

Passado um ano desde a actual investidura governamental, torna-se inevitável erguer a voz e erguer, sem hesitações, um cartão amarelo ao Governo de Moçambique. Não como gesto de hostilidade gratuita, mas como obrigação cívica de quem acredita num país que já pagou um preço demasiado alto pela teimosa repetição dos mesmos erros estruturais. Os moçambicanos assistem, dia após dia, a uma governação que parece distante da vida real, ocupada consigo mesma, absorvida nas suas prioridades internas e incapaz de assumir com seriedade as responsabilidades que lhe cabem.

Os problemas fundamentais do país foram identificados repetidamente, ao longo de anos, por relatórios nacionais e internacionais, por organizações da sociedade civil e, sobretudo, pelo povo que os vive na pele. Ainda assim, persistem e agravam-se. A erosão social, económica e institucional que Moçambique enfrenta não é fruto de catástrofes inesperadas, mas sim de uma crónica incapacidade de governar com visão, coragem e vontade política. O país parece caminhar preso a um ciclo onde a expectativa popular se renova e a governação insiste em frustrá-la.

O Governo assumiu funções num contexto de crise severa, mas em vez de enfrentar os nós estruturais que travam o desenvolvimento, preferiu remendar fissuras e maquilhar problemas que exigem intervenções profundas. A vida dos cidadãos não melhorou. O custo de vida continua a devorar salários, e a inflação atinge de forma brutal as famílias mais pobres, enquanto a narrativa oficial tenta suavizar a realidade com promessas e justificações. A falta de políticas económicas sólidas, estáveis e orientadas para o bem-estar colectivo é uma das faces mais visíveis dessa governação cansada e sem ambição transformadora.

No sector social, o retrato é ainda mais desolador. A educação continua presa a um sistema que reproduz desigualdades, que não motiva professores, que não garante condições mínimas de aprendizagem e que expõe crianças e jovens a um futuro incerto. As escolas degradam-se, os materiais de ensino são escassos, os currículos pouco dialogam com a realidade nacional e os resultados continuam a refletir esse abandono. O ensino superior, por sua vez, tornou-se um espaço elitizado, distante da maioria e profundamente desconectado das necessidades do mercado e da economia real.

A saúde pública não escapa ao mesmo quadro de negligência. Hospitais sem medicamentos, profissionais mal remunerados, equipamentos avariados, longas filas e doentes que, por falta de assistência adequada, acabam por perder a vida em situações que poderiam ser facilmente evitadas. Não se trata de falta de diagnóstico. Trata-se de falta de vontade política para organizar, profissionalizar e tornar eficiente um sector que constitui a espinha dorsal da dignidade nacional. O país já se acostumou a ouvir explicações, quando o que falta são soluções.

No campo da governação e da administração pública, o país afunda-se num labirinto de burocracia, corrupção, nepotismo e captura institucional. As instituições que deveriam garantir equilíbrio e transparência estão viciadas em práticas que favorecem interesses privados e grupos instalados no poder, em detrimento do bem comum. A confiança pública está profundamente corroída, e não existe desenvolvimento possível quando o Estado não inspira respeito, previsibilidade e justiça. É inadmissível que um ano depois da tomada de posse, o Governo continue a navegar entre discursos e promessas, enquanto a realidade se degrada. A insegurança tornou-se uma sombra permanente sobre Moçambique. Na província de Cabo Delgado, a insurgência arrasta-se há anos, e apesar do empenho internacional e dos sacrifícios das Forças de Defesa e Segurança, o Governo continua a falhar naquilo que deveria ser a sua principal obrigação: proteger vidas humanas e restaurar a normalidade. A violência prolongada não é apenas um fracasso militar, mas sobretudo político. A ausência de estratégias eficazes de desenvolvimento, reintegração e prevenção continua a alimentar o ciclo de violência e deslocamento. Uma governação responsável não pode simplesmente esperar que a presença estrangeira resolva aquilo que é, antes de mais, um problema nacional.

 

No centro e sul do país, a criminalidade urbana cresce, os sequestros continuam a aterrorizar empresários e famílias, e a corrupção no sector da justiça mina qualquer esperança de responsabilização. A impunidade tornou-se regra, e o Governo, em vez de enfrentar frontalmente essas redes criminosas, prefere discursos de ocasião que pouco ou nada impactam a realidade vivida pelas pessoas. As forças de segurança continuam politizadas, mal equipadas e, muitas vezes, usadas como instrumentos de intimidação em vez de protecção. As infra-estruturas continuam a reflectir décadas de má gestão. Estradas esburacadas, bairros sem saneamento, energia instável, água irregular e serviços básicos que raramente atendem às necessidades da população. As mudanças climáticas intensificam esses desafios, e ainda assim o país segue sem um plano robusto, actualizado e executado com rigor. Cada época chuvosa traz consigo destruição e luto, enquanto o Governo se limita a respostas improvisadas que não impedem que o sofrimento se repita. O desenvolvimento sustentável tornou-se um slogan, quando deveria ser uma política de Estado.

Do ponto de vista económico, o país não floresce porque continua aprisionado a uma visão extractivista que marginaliza agricultores, pescadores, pequenas indústrias e empreendedores locais. O Governo concentra esforços em sectores de grande capital, ignorando que a pobreza só será combatida com a valorização real da economia doméstica. O crédito é inacessível, a carga fiscal é sufocante para quem produz, e a corrupção torna impossível competir com quem opera protegido por influências políticas. Não existe crescimento inclusivo num país onde apenas uma minoria colhe os frutos do trabalho nacional.

O Governo precisa de ouvir o país real. Precisa de escutar os cidadãos, e não apenas os seus círculos de influência. Precisa de abandonar a arrogância política que trata críticas como ataques e oposição como inimiga. Governar é servir, não é proteger privilégios. E hoje, infelizmente, os sinais apontam para um Governo mais preocupado com a manutenção da sua estrutura de poder do que com a transformação do país que diz representar.

 Este cartão amarelo é um aviso claro e democrático: Moçambique precisa de outra postura, outra seriedade, outro compromisso. Não é aceitável continuar a justificar falhas com heranças do passado, crises externas ou obstáculos inevitáveis. O país precisa de liderança firme, competente, ética e profundamente comprometida com o interesse público. Precisa de coragem para enfrentar grupos poderosos, desmantelar esquemas, reorganizar instituições e reconstruir a confiança pública.

Os moçambicanos merecem mais. Merecem um Estado que funcione, que proteja, que respeite e que entregue resultados. Merecem ver suas vidas melhorar, não apenas ouvir promessas recicladas. Merecem transparência, justiça, crescimento inclusivo, dignidade e esperança real. Se o Governo continuar a ignorar estes sinais, o amarelo transformar-se-á inevitavelmente em vermelho, e o julgamento popular virá cedo ou tarde, seja nas urnas, na história ou na consciência colectiva de uma nação que já não tolera mais promessas vazias.

 

2025/12/3