O Silêncio que Grita: A Arte Plástica como Linguagem das Emoções Reprimidas

Edna Tuaira Anibal "

Há silências que gritam mais alto do que palavras. Há cores que sussurram feridas, linhas que tremem de angústia, e formas que escorrem lágrimas invisíveis. A arte plástica, neste contexto, não é apenas uma expressão estética. É linguagem. É grito. É uma comunicação cravada no corpo e na alma de quem cria e de quem contempla. Como estudante de comunicação, poetisa em formação e mulher em permanente estado de observação, afirmo com veemência: a arte plástica é uma das formas mais puras de comunicar aquilo que não ousamos dizer em voz alta. No coração das galarias, dos becos e das feiras urbanas de Maputo, emerge a obra de Fiel dos Santos, artista plástico moçambicano cuja matéria-prima é a dor reciclada. Utilizando metais enferrujados, pedaços de viaturas queimadas, restos de armas de guerra e objectos abandonados, Fiel não apenas constrói figuras humanas e animais: ele reconstrói memórias, traumas colectivos e inquietações enraizadas. As suas esculturas silenciosas falam da violência, do abandono, da identidade moçambicana atravessada pela guerra, pela desigualdade e pela esperança frágil. O Pescador de Sonhos, uma das suas peças mais comoventes, mostra um homem feito de sucata, a remar contra um mar invisível. E nós remamos com ele, todos os dias. Do outro lado do continente, em solo sul-africano, vive e trabalha William Kentridge, um dos nomes mais fascinantes da arte contemporânea africana. Em desenhos monocromáticos, animações feitas com carvão e vídeos de composição artesanal, Kentridge transforma a linguagem visual num espelho da história emocional da África Austral. Denunciando o apartheid, a memória colonial, a repressão e o trauma, a sua obra não precisa de legendas. Vê-se e sente-se. Felix in Exile, por exemplo, é um filme que mistura o sonho e o desespero num único suspiro. Cada sombra em movimento, cada figura distorcida é uma pergunta não respondida. Como comunicar a dor? Como traduzir o trauma? Kentridge não responde: mostra. Ambos os artistas citados são provas vívidas de que a arte plástica tem o poder de tornar visível o invisível. E, como afirma Susan Sontag, autora cuja visão me representa e embasa esta opinião, “o artista não deve consolar nem adormecer: deve perturbar”. Sontag vê a arte como uma força de ruptura, de provocação sensível, de comunicação que arranha. Concordo. A arte não deve ser apenas bela. Deve ser honesta. E a honestidade emocional raramente é limpa ou polida: é suja, crua, autêntica. Assim também é a boa comunicação: aquela que não se esconde no politicamente correcto. Ao mergulhar na obra destes artistas africanos, compreendo que a comunicação não se restringe a vocabulários, slogans, ou campanhas. Existe um tipo de comunicação que vive nas cores, nas texturas, nos silêncios gritantes das obras de arte. Como comunicadora, vejo nisso uma responsabilidade: ler imagens, interpretar silências, escutar as cores e dar voz às emoções alheias através da empatia visual. A arte plástica não é um luxo de galerias. É uma urgência existencial. É um dos últimos lugares onde ainda se pode falar sem censura, onde o corpo e o sentimento encontram espaço para existir sem justificativa. Ao desenhar, esculpir, pintar ou colar, o artista comunica dores que não têm idioma. A arte é, portanto, a voz dos que não gritam. E é exactamente esse grito que desejo amplificar com a minha escrita, com a minha prática comunicacional e com a minha presença enquanto mulher moçambicana e futura profissional da palavra. Porque sim, há emoções que não se dizem. Sentem-se. E a arte plástica, mais do que qualquer meio, é o lugar onde elas ganham forma e se tornam compreensíveis aos olhos de quem ousa olhar.

2025/12/3