Edna Tuaira Anibal "
Edna Tuaira Anibal Estudante do Curso de Licenciatura em Marketing e Relações Públicas na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane e Delso Khosa Ao longo da História da Humanidade, a arte tem desempenhado um papel central não apenas como forma de expressão estética, mas também como poderosa ferramenta de comunicação. No seio das múltiplas linguagens que compõem o mundo artístico, a arte plástica ergue-se como uma das formas mais intensas e viscerais de transmitir mensagens, sentimentos e inquietações. A arte plástica comunica com uma eloquência silenciosa, tecendo pontes entre culturas, épocas e identidades. É neste sentido que se torna pertinente reflectir sobre o papel da arte plástica como linguagem e veículo comunicacional. Não se trata apenas de observar um quadro ou uma escultura como mero objecto decorativo, mas de entendê-lo como enunciação simbólica, como discurso visual pleno de significados. A comunicação, enquanto ciência e prática, busca formas eficazes de partilhar informação. A arte plástica, por sua vez, mergulha nas profundezas do sentir humano e oferece narrativas que transcendem palavras, tocando zonas que a racionalidade discursiva muitas vezes não alcança. Dois nomes destacam-se neste panorama: o norte-americano Jean-Michel Basquiat e o moçambicano Malangatana Ngwenya. Ambos utilizaram a arte plástica como grito, denúncia e ponte para o outro. Basquiat, com a sua pintura crua, urbana e carregada de signos e símbolos, mostrou as feridas do racismo, da desigualdade e da marginalidade numa América que fingia ser pós-racial. Malangatana, por sua vez, fez da sua obra uma extensão da alma moçambicana. As suas pinturas, densas e vibrantes, revelam não só a violência colonial, mas também a esperança de um povo em reconstrução, celebrando a identidade africana com uma força visual quase mística. O posicionamento de Malangatana Ngwenya ecoa fortemente na minha visão sobre a arte plástica enquanto acto de comunicação. Concordo com ele porque entendo que a arte não pode ser separada da realidade em que se insere. Malangatana pintava a dor, a opressão e a beleza de Moçambique, num gesto que, para mim, representa a mais nobre forma de comunicar aquela que nasce do corpo, da memória e do colectivo. A sua arte não é só dele: é de todos nós. Ele pintava o que a palavra calava. Dava cor ao que o silêncio sufocava. A arte plástica, portanto, não comunica apenas ideias. Comunica estados de alma. Um quadro pode fazer-nos chorar, sorrir ou revoltar-nos. E porquê? Porque ele fala connosco, mesmo sem emitir sons. A paleta de cores é o seu vocabulário. As formas e traços são as suas frases. A textura é a sua entoação. A disposição no espaço é a sua gramática. Tal como na comunicação verbal há significados, conotações e contextos, também na arte plástica há códigos que precisamos decifrar. E essa decifração não é estanque, pois cada pessoa lê a obra à luz da sua vivência, das suas dores, dos seus afectos. Assim, a arte plástica é também um acto comunicacional dialógico. Num mundo saturado por discursos artificiais e imagens fabricadas, a arte plástica mantém uma pureza rara: comunica sem marketing, sem filtros, sem algoritmos. Ela ainda consegue surpreender, inquietar e deslocar. No campo da comunicação, onde tanto se fala de estratégia, eficácia e persuasão, olhar para a arte plástica é recordar que comunicar é, antes de tudo, criar vínculo. É tocar o outro. E nesse sentido, a arte plástica é talvez uma das formas mais humanas e genuínas de comunicação. É importante também compreender como a arte plástica se insere nas dinâmicas sociais e políticas. Jean-Michel Basquiat utilizava as palavras nos seus quadros cruzando grafismo e pintura para denunciar a violência sistémica, a alienação e o apagamento histórico da população negra. O seu trabalho era, claramente, um manifesto visual. E mesmo que nem todos compreendessem cada símbolo, a força bruta das imagens provocava. Tal como acontece nos processos comunicacionais, a recepção da mensagem depende do repertório do receptor, mas a emoção, essa, é universal. Malangatana fazia o mesmo, mas numa gramática distinta: a moçambicana. A sua arte revela a dor da guerra, mas também a poesia do reencontro. Os seus quadros são narrativas visuais que dispensam legenda, pois falam directamente ao coração, quando olhamos uma obra sua, sentimos o peso do passado colonial, a força da resistência e a alegria da liberdade. É a memória transformada em imagem. E, como bem sabemos na comunicação, a memória colectiva é construída, em grande parte, por símbolos. Malangatana foi, assim, um comunicador simbólico de excelência. Na minha perspectiva, as artes plásticas oferecem algo que nenhuma campanha publicitária ou discurso político consegue oferecer com tamanha autenticidade: a emoção em estado bruto, elas tocam naquilo que é inominável. Na angústia, no amor, no medo, na esperança. Na dor que não se consegue explicar, mas que se pode pintar. Como estudante de Marketing e Relações Públicas, vejo na arte uma ferramenta de comunicação que precisa de ser mais explorada. Afinal, o que é a comunicação senão a tentativa constante de estabelecer pontes entre indivíduos e comunidades? Não podemos continuar a pensar a comunicação apenas como mediação técnica ou transmissão de mensagens formatadas, precisamos de reintegrar a arte nos processos comunicacionais. Precisamos de permitir que a pintura, a escultura, o desenho e outras linguagens plásticas estejam presentes nas campanhas, nas acções sociais, nos debates públicos, precisamos de devolver à comunicação a sua dimensão sensível. E, para isso, temos de escutar o que os artistas nos dizem com os seus pincéis. Jean-Michel Basquiat morreu jovem, mas a sua obra continua a gritar nas paredes dos museus. Grita contra o racismo, contra o silêncio imposto aos marginalizados. Malangatana também já não está entre nós, mas os seus quadros continuam a dizer-nos que Moçambique não é só paisagem e exotismo é também luta, memória e sonho. Ambos ensinaram-nos que a arte é voz. Que a arte plástica não é mero ornamento, mas acto político, gesto comunicativo, ponte entre mundos. É neste cruzamento entre comunicação e arte que me sinto mais viva. Porque sei que cada obra carrega uma intenção, mesmo quando esta é inconsciente, sei que cada linha desenhada, cada mancha de cor, cada vulto numa tela é um apelo ao diálogo. E talvez seja esse o papel mais nobre da comunicação: escutar os apelos do invisível. Dar forma ao que ainda não foi dito. Permitir que cada indivíduo encontre a sua linguagem, para mim, a arte plástica é essa linguagem primeira. Primordial. Eterna. Quando uma criança desenha uma casa com uma chaminé, está a comunicar a sua ideia de lar. Quando um preso desenha uma ave, comunica a sua vontade de liberdade, quando um artista pinta o caos, está a verbalizar o que muitos sentem mas não sabem nomear. Esta é a força da arte plástica: ela traduz o indizível. Ela dá corpo ao silêncio. E, num mundo cada vez mais barulhento, talvez devêssemos aprender a escutar mais as imagens. Concluindo, a arte plástica é comunicação. É emoção. É política. É memória. É linguagem. E é, sobretudo, um espaço de liberdade. Tal como Malangatana, acredito que o artista é também um comunicador, alguém que revela o mundo aos outros sob outra perspectiva. Uma perspectiva que não se ensina nos manuais de comunicação, mas que se aprende com a alma. E se é verdade que comunicar é preciso, então é urgente que deixemos a arte plástica comunicar também por nós.2025/12/3
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