Buraco da riqueza ou da pobreza? Mudanças climáticas e Insegurança alimentar

Delso Khossa"

O buraco é um perigo para a convivência humana. Ele é visto como armadilha para a vida social, mas como oportunidade para a prosperidade económica. O buraco surge pelas questões de natureza, mas também pelas acções humanas. O buraco humano é mais perigoso, porque nem os próprios donos nem os outros, conseguem esquivar do perigo e dos impactos negativos gerados para a sociedade e ao seu redor. Portanto, o buraco pode ser uma mina ou um lugar para deitar o material não-biodegradável. Esse lixo resulta das acções (ir)racionais do Homem. Para as comunidades, a mina gera baixa qualidade de vida, afectando o ecossistema, mas para a classe empresarial o buraco é uma oportunidade para gerar riqueza. Aí começa o dilema de responsabilidade sobre as acções que provocam Gases com Efeitos de Estufa (GEE). Apesar de, aparentemente, o dilema ter sido superado em relação às actividades que provocam GEE, comprovado cientificamente, ainda reina a individualização de participação nas accões que podem minimizar os impactos severos das mudanças climáticas. A incerteza da perda dos mercados ou concorrência coloca desafios e receios para a implementação tecnológica de energias limpas.

As mudanças climáticas impactam severamente na qualidade de vida, direitos humanos, PIB, educação, saúde, saneamento, segurança alimentar, nutrição e habitação, segundo os dados do Country Climate and Development Report (CCDR) (2023). Os GEE resultam das actividades agro-alimentares ligadas ao uso irracional dos recursos hídricos, estas são responsáveis por 1/3 de emissões ao nível mundial, e podem aumentar 50% até 2050. A agricultura é responsável pelos GEE entre 15 e 23%, pecuária por 19%, desperdício de alimento 8% ao nível mundial. A desflorestação mundial corresponde a 90% devido à contaminação dos recursos hídricos, para além da extinção de algumas espécies da biodiversidade, aumenta significativamente o aquecimento global, contribuindo para a ocorrência da insegurança alimentar e da mal-nutrição. Como resposta foi aprovado o instrumento estratégico mundial designado Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), cuja execução vai até 2030.

No caso moçambicano, o país é frequentemente vulnerável à ocorrência de mudanças climáticas como ciclones e precipitação irregular, acelerando a pobreza nas condições sociais-económicas das comunidades. A agricultura no contexto moçambicano é a fonte do rendimento da população rural. A prática da actividade agrária de subsistência/sequeiro amplia a cadeia de micronutrientes, principalmente no período da colheita. Segundo Abbas (2022), as zonas rurais apresentam o índice com mais de 50% e 27% de insegurança alimentar. A alta dependência de actividades de produção, comercialização e pecuária geram vulnerabilidade nas comunidades rurais face às limitações de adaptação às mudanças climáticas; choques hídricos impactam no PIB numa ordem de 5.5% entre 1980–2004 e até 2050 o PIB sofrerá uma redução entre 4 a 14% conforme os dados do Banco Mundial (2023). Desta forma, segundo CCDR (2023), as projecções climáticas até 2050 aumentarão 5%, empurrando mais 1,6 milhões de pessoas para a pobreza. Se não ocorrer nenhuma transformação estrutural significativa, o índice de desigualdade mudará dificilmente até 2050, em todos os cenários climáticos analisados. Esses dados revelam a magnitude do desafio que enfrentamos: as mudanças climáticas não só agravam os problemas existentes, como também criam novos obstáculos para alcance dos Objectivos de ODS.

 O estudo de Abbas (2022) nota a existência de uma relação significativa entre a segurança alimentar e as formas de obtenção de rendimento; a escassez de alimento e a precipitação irregular; o clima e o comportamento dos agricultores; o uso de insumos e o sistema produtivo. Enquanto a pobreza e a fome condicionam a compra de outros suplementos alimentares para se aliviar da insegurança alimentar, a actividade pecuária auxilia a insegurança alimentar pela venda dos animais. Estes factores apresentam uma tendência crescente, ou seja, as políticas públicas implementadas apresentam um saldo negativo em assegurar ou melhorar a insegurança alimentar. Ainda Abbas (2024), no ano 2023, refere que o país ocupou a posição 113° em 125° países analisados pelo Índice Global da Fome, presente no nível de fome grave com pontuação de 30,5. Enquanto o relatório de SETSAN (2024) aponta que 24% dos agregados familiares encontram-se numa situação de insegurança alimentar crónica. As projecções entre Maio e Setembro demonstram que 48% da população nos distritos foram afectados pela insegurança alimentar aguda, e no período de Outubro de 2023 a Março de 2024 houve aumento de 58% da população, sendo 37% ao nível moderado.

A complexidade da resolução dos efeitos das mudanças climáticas sugere acções conjuntas e individuais. As acções individuais podem gerar impactos múltiplos para influenciar a mudança do comportamento no grupo, na família, na comunidade e nos meios de comunicação. A questão da riqueza para os actores é uma tarefa mais propensa para aproveitar as fragilidades dos mecanismos internacionais e nacionais que regulam o sistema ecológico. Contudo, agir em colectividade é a melhor alternativa, porém os benefícios individuais ou grupais tendem a estar acima da colectividade, por isso, as fragilidades de políticas públicas ambientais deixam uma oportunidade para os actores desrespeitarem e individualizarem os benefícios naturais da colectividade.

Em relação à lógica da nutrição, esta funciona em duas perspectivas: uma classe social com poder de compra pode evitar a insegurança alimentar-fome, mas sofre de malnutrição e gera o desperdício alimentar, contribuindo de forma indirecta no aumento de GEE (ocorrência de mudanças climáticas); a outra classe vulnerável, neste caso das zonas rurais, tem menos manobra para escapar da insegurança alimentar e mesmo com todos os tipos de suplementos alimentares naturais enfrenta a desnutrição, contudo, a situação agrava-se quando ocorrem as implicações de mudanças climáticas. A desnutrição, malnutrição e obesidade são endémicas e mais frequentes nas duas classes, o que significa haver uma necessidade de ampliar estratégias de comunicação de risco, no sentido de moldar o comportamento, atitudes, hábitos e costumes que são factores cruciais para a qualidade de vida. 

Relativamente aos dois estudos referenciados demonstram concisamente a vulnerabilidade da sociedade moçambicana no que concerne às implicações de mudanças climáticas, agravando a pauperização das comunidades rurais. A mitigação dos efeitos de mudanças climáticas requer uma força conjunta dos actores desde o produtor, investigador, consumidor, retalhista, legislador, empresário, comunicador e actor da sociedade civil, onde vai-se discutir, tomar decisões inclusivas e desenhar acções concretas que impactam positivamente na cadeia da qualidade de vida. Ao minimizar os efeitos nos recursos hídricos, uso da terra e preservação da biodiversidade gera uma equidade social e económica, uma dieta alimentar saudável e propicia na sustentabilidade do ecossistema. Enquanto a resiliência refere-se à capacidade de resistir aos eventos climáticos extremos.

Os factores impulsionadores da (in) segurança alimentar são, nomeadamente, políticas agrárias, económicas, ambientais, tecnológicas e culturais. A estruturação destes factores pode dinamizar a cadeia produtiva de suplementos alimentares. Por exemplo, o baixo nível de produção dos alimentos coloca as famílias a não terem rendimento suficiente para adquiri-los nos mercados, mas também, resulta na dependência de factores climáticos. Com um sistema de produção bem planificado, mesmo com ocorrência de ciclones e seca, a situação é regulada. Portanto, a precariedade das técnicas de produção agrícola tende a acelerar melhor quando se exerce a extracção dos recursos naturais, onde os meios alternativos como os recursos faunísticos, recursos hídricos, vias e desconetividades com os espaços antropológicos das comunidades são desrespeitados pelos actores interessados. A tendência histórica de exploração dos recursos naturais no contexto demonstra uma relação significativa entre o aumento do nível de pobreza e a ocorrência dos fenómenos das mudanças climáticas.

2025/12/3