Delso Khosa"
O homem, desde a sua existência, sempre enfrentou conflitos de natureza religiosa, política, económica, cultural, social, ambiental, tecnológica, étnica, histórica e até mesmo com os animais. Sem dúvida, a ocupação de espaço para residência, práticas de agricultura e agro-pecuária são terrenos férteis para o surgimento de conflitos entre homem e animais selvagens. Afinal, o que é um conflito? Segundo Grimshaw (1990:2), é um “jogo de disputas”, que nos remete à briga, causando danos materiais e perdas de vidas. Portanto, o conflito ou a falta de reconhecimento de um determinado espaço para negociações e reivindicações, estas geridas por estratégias de comunicação. Para a International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN) (2020:3), "conflitos surgem quando a presença ou o comportamento dos animais selvagens representam ameaças reais ou percebidas, directas e recorrentes, aos interesses ou necessidades humanas, levando a desentendimentos entre grupos de pessoas e impactos negativos sobre as pessoas e/ou sobre os animais selvagens". O conflito entre homem e animais selvagens é alimentado pela busca de sobrevivência dos ambos; contudo, a grande responsabilidade recai sobre o ser humano, que é o agente racional e defensor dessas espécies.
A convivência entre homem e animais selvagens depende das condições criadas pela organização responsável e dos cuidados desses habitats, mas também das formas como as comunidades se relacionam com esses habitats e como são vistas pelos responsáveis pela gestão dos animais. A situação do Parque Nacional de Gorongoza (PNG) entre o parque e as comunidades apresenta conflitos permanentes e contínuos. A IUCN (2023) mapeia as características basilares de conflito entre homem e animais como: i) ataques contra comunidades, nos quais os animais sentem danos e ameaças reais, podendo causar danos materiais e perda de vidas humanas, tornando o conflito recorrente; ii) o conflito entre homem e animais selvagens acciona o conflito social, no qual envolvem comunidades e gestores da conservação para maximizar as perdas entre ambos; iii) o conflito resulta de espécies em extinção, com um lado tentando protegê-las e o outro tentando aniquilá-las.
Por exemplo, a caça ilegal de animais selvagens não é necessariamente um conflito entre humanos e esses animais se eles forem abatidos apenas com a motivação de obter carne, partes do corpo ou um troféu, por motivos comerciais, recreativos ou culturais. Se, no entanto, os animais caçados também forem culpados pelos danos causados aos meios de subsistência, então sua matança pode ter sido influenciada por esse contexto e, portanto, incorporada como um grau de conflito entre humanos e animais selvagens.
Portanto, ao observar a ocorrência de três tipos de conflitos entre as comunidades e os protectores dos locais de conservação, percebe-se que o manifesto de conflitos enraíza-se pela protecção e sobrevivência de ambos. Evidentemente, o manifesto de conflitos em causa se amplia pelas características de identidades, como atitudes, comportamentos e crenças comunitárias, o que significa que a minimização do conflito não pode ser vista de forma superficial. Há necessidade de ampliar as esferas de diálogo transparente e inclusivo para entender/limar as diferenças entre ambos, o que implica a elaboração de um plano de comunicação de risco como um método viável para a protecção de espécies e também o respeito pelos direitos das comunidades. Segundo a IUCN (2023), o processo e a complexidade do conflito entre homem e animais requerem a coexistência, o que significa o reconhecimento da partilha de espaço (selvagem, paisagens e recursos naturais) entre ambos; porém, não basta. É preciso haver cooperação. A coexistência centra-se nas interacções em múltiplos espaços entre ambos; amplia e resolve os problemas contextuais; é sustentável (ecologicamente, socialmente, economicamente, cultural e tecnologicamente); considera o poder, a justiça e a equidade; e promove a autoconsciência dos gestores de conservação.
Em 2 de Março de 1920, no distrito de Gorongosa, foi designada uma reserva de caça, com uma área de 1.000 km² até Novembro de 1935. Em 23 de Julho de 1960, a área foi elevada à categoria de Parque Nacional e foi estabelecida uma parceria público-privada de 20 anos, em 2008, para sua gestão. Actualmente, o PNG, que abrange mais de 4.000 km² de áreas de conservação para animais e plantas, tem gerado conflitos atemporais entre as comunidades e os animais. No dia 4 de Fevereiro deste ano, o jornal electrónico A Carta avançou com a informação de fuga dos reclusos do Estabelecimento Penitenciário do distrito de Gorongosa, na província de Sofala, na região centro do país. Passados alguns dias, foi partilhado um documento electrónico com os nomes de 50 cidadãos, com dados processuais e os tipos de crimes atribuídos aos reclusos fugitivos. Em termos estatísticos, a tabela abaixo, com o total de 49 cidadãos analisados, demonstra que há mais crimes praticados por furto/roubo, violação e caça furtiva. Foram classificados 9 crimes, em que o crime de furto/roubo apresenta 21 cidadãos, 10 cidadãos por violação e o terceiro crime de caça furtiva, com 10 reclusos. O somatório do crime de “caça furtiva e posse de recursos naturais ilegais” aproxima-se do conflito entre homem e animais selvagens existentes no PNG.
Tipo de Crime |
Caça furtiva |
Posse de Recursos Naturais Ilegais |
Violação |
Actos sexuais com menores |
Uniões prematuras |
Furto/ roubo |
Arma proibida |
Ofensas corporais |
Nr |
8 |
4 |
10 |
2 |
2 |
21 |
1 |
1 |
Fonte: Estabelecimento Penitenciário do distrito de Gorongoza (compilado pelo autor).
Portanto, os dados da tabela demonstram que a situação de coexistência entre homem e espécies de conservação apresenta conflitos pendentes relacionados à caça furtiva e posse de recursos naturais ilegais, os quais podem comprometer a segurança das espécies, do PNG e do turismo de safari. Dessa forma, há uma necessidade urgente de implementar uma comunicação participativa e inclusiva com as comunidades, principalmente com a juventude, no sentido de entender a raiz do problema, sem desconsiderar os aspectos antropológicos e sociológicos, bem como as fragilidades das políticas públicas. Com essa comunicação participativa e inclusiva, será possível ampliar as alternativas para solucionar o problema por meio de uma estratégia de inclusão da juventude na protecção do PNG, acções de responsabilidade social empresarial sustentáveis, formações, estratégias de coexistência entre homem e animais selvagens, além de, também, elaborar um plano de comunicação de risco.
2025/12/3
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