(In)fiabilidade dos dados do INGD: casos de ciclones Dikeledi e Jude

Delso Khosa"

 

 A governação faz-se com dados confiáveis. A transparência e a prestação de contas são elementos incontornáveis no processo de tomada de decisões nas instituições. A formulação de políticas públicas resulta da recolha de dados confiáveis, com mínimas hipóteses de viciação. A negligência ou violação das técnicas de recolha de dados pode contribuir para a formulação de políticas públicas desastrosas, o que significa que o princípio da informação verídica não pode ser negligenciado nem viciado por informações falsas. Os funcionários responsáveis pela recolha, codificação e processamento de dados devem respeitar os princípios de boa governação como a transparência e a prestação de contas.

 Os princípios de boa governação nas instituições públicas moçambicanas têm enfrentado grandes desafios na produção de relatórios que refletem a realidade vivida no terreno. Por outro lado, há uma alta tendência de produzir informações inobserváveis para impactar a fotografia dos media. Com o baixo índice de investigação jornalística, essa tendência encontra terreno fértil para propagar informações viciadas. Portanto, trazer um exemplo de uma instituição pública moçambicana na área de mudanças climáticas torna-se crucial, não apenas pela experiência patrimonial na gestão de riscos e desastres naturais, mas também pela necessidade de repensar melhores modelos para a recolha de dados confiáveis, visando prevenir os riscos climáticos que afectam tanto a sociedade quanto a classe empresarial.

 O histórico do Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres (INGD), desde os primeiros anos do Estado-Marxista, tem acumulado experiencias e técnicas científicas através de transferência de conhecimento com as organizações internacionais. O INGD deve ter cautela para minimizar a perpetuação de informações viciadas nos media  e na sociedade. No princípio do ano em curso, o país foi afectado por dois ciclones nas zonas centro e norte. Em consequência, o INGD precisa redobrar a planificação, implementação e avaliação de acções de adaptação, mitigação e resiliência aos efeitos climáticos, bem como monitorar a situação por meio de acções humanitárias de forma inclusiva às comunidades afectadas. Além disso, o INGD também tem a responsabilidade de partilhar dados fiáveis sobre a situação ao público em geral.

Os ciclones Dikeledi (D) e Jude (J) causaram danos consideráveis quase nas mesmas áreas geográficas no país. Para facilitar a análise comparativa dos dados, recorre-se às informações fornecidas pelo INGD sobre os últimos eventos ciclónicos.

 

 

Pessoas afectadas

Vidas perdidas

Famílias

Escolas

Agricultura

Ciclones

D

J

D

J

D

J

D

J

D

J

INGD

249,787

302.000

11

16

49.407

65.164

154

247

 

10.100

 

Casas

Alunos

Professores

Km/Estradas

Hospital

D

J

D

J

D

J

D

J

D

J

19,748 

32.934

55,673

91.619

788

1182

67

4.146

43

72

Fonte: INGD

 A tabela demonstra os dados publicados oficialmente pelo INGD e partilhados à imprensa nacional e estrangeira. Os dois fenómenos ocorreram no mesmo ano, quase nas mesmas províncias e distritos costeiros nas províncias de Cabo Delgado e Nampula. Diante deste cenário emerge seguintes perguntas. Será que o Estado conseguiu repor as infra-estruturas afectadas antes do primeiro ciclone Childo? Que tipo material usado nas infra-estruturas afectadas? Quais são dados específicos por cada distrito?

 Portanto, o ciclone Jude foi mais devastador do que o ciclone Dikeledi, conforme demonstram os dados. Ao observar os números relativos ao ciclone Dikeledi, em particular as pessoas afectadas, casas e famílias, percebe-se que existe uma relação desproporcional. Isso porque, o número 249.787 de pessoas afectadas por 19.748 famílias corresponde a aproximadamente 13 cidadãos por casa, enquanto 249.787 pessoas afectadas por 49.407 famílias corresponde a cerca de 5 cidadãos por família.

Outro problema nos dados é a relação entre o número de famílias e o número de alunos, o que sugere que cada família tem, em média, uma criança. No entanto, os resultados do Instituto Nacional de Estatística — INE (2024) sobre a Taxa Global de Fecundidade entre mulheres de 15 a 49 anos, por província, entre 2022–2023, demonstram que as províncias de Cabo Delgado e Nampula ocupam, respetivamente, o segundo e o terceiro lugar.

 A ocorrência dos dois ciclones em curto período revela que os dados do INGD são tendencialmente falaciosos, pois: i) os dados oficiais publicados não especificam a localização geográfica do distrito, posto administrativo e local, sabendo que, em cada nível distrital, existem administradores responsáveis pela administração do tecido do Estado e os Comités Locais de Gestão de Risco e Desastres; ii) há uma tendência significativa de duplicação dos dados. Por exemplo, onde houve a ocorrência dos ciclones Childo e Dikeledi, foram nos mesmos distritos, assim como no caso em análise, em que certos distritos foram devastados tanto pelo ciclone Dikeledi quanto pelo ciclone Jude.

 Mas por que a infiabilidade dos dados? Primeiro, pode ser devido a uma negligência propositada, com o objectivo de ampliar a cadeia de doações, disseminando informações menos concisas. Segundo, pode estar relacionado com a própria gênese do INGD, sendo este um caso em estudo. Terceiro, trata-se de um problema estrutural alimentado pela gestão governativa não transparente, pela falta de prestação de contas e pela ausência de auditoria.

Portanto, pode-se afirmar que o INGD precisa urgentemente reforçar e fiscalizar os seus colaboradores no processo de recolha e sistematização de dados. A situação demonstra que a técnica de recolha de dados do INGD está longe de refletir a realidade e as consequências dos ciclones. Por um lado, os dados desafiam os relatórios do INE (2024), em termos demográficos; por outro, a frequência sintomática dos dados do INGD contribui na tomada de decisões superficiais, significando “encher água no tambor furado” que nunca ficará cheio. Tendo em vista os altos custos no processo de recolha de dados, a indústria mediática precisa realizar uma análise minuciosa para evitar a oficialização de dados viciados.

2025/12/3