Comunicação (an)alfabética: mudanças climáticas e produtos ultraprocessados

Delso Khosa"

A comunicação é o caminho para mudanças e transformações no estilo de vida humano. A informação sobre os efeitos dos produtos ultraprocessados na área das alterações climáticas é produzida e promovida em menor escala, mas também é ignorada. No mundo da sociedade líquida (Bauman, 2000), predomina o consumo (ir)racional, mesmo quando o assunto é a saúde humana. O analfabetismo alimentar contribui para o aumento das alterações climáticas, uma vez que os produtos ultraprocessados são responsáveis pelas implicações da fragilidade do sistema de saúde. Afinal de contas, quem são os analfabetos? O que são produtos industrializados? E os produtos ultraprocessados? Como é que os produtos ultraprocessados influenciam as alterações climáticas? Que acções foram discutidas e implementadas para minimizar os danos ambientais e à saúde humana? Estas questões levantadas são norteadoras da discussão do analfabetismo climático sobre saúde humana. Segundo Castell, Luke e Maclennan (1986), o termo antónimo de analfabeto foi cunhado nos EUA, em 1930, durante os treinos militares, para designar a capacidade de interpretar instruções escritas para a execução de acções militares. Nos meios académicos, resume-se ao uso da leitura e da escrita para a realização de fins pragmáticos em diversos contextos da sociedade. Actualmente, porém, enfrenta um grande debate sobre o condicionamento da escrita e da leitura com o objectivo de classificar o ser humano. A evolução tecnológica através do audiovisual demonstra que uma sociedade sem escrita nem leitura pode compreender e pôr em prática o que é compreendido. A falta de tempo para a prática da escrita e da leitura pode gerar analfabetismo por regressão. Flecha et al. (1993), referem-se ao alfabetismo funcional (basic skills) como sendo as competências funcionais necessárias para responder às necessidades de um determinado campo de acção. Desta forma, o analfabeto existe em certos casos, mas não na sua totalidade, o que significa que ninguém tem habilidades para fazer certas interpretações práticas em todos os contextos; o que acontece são limitações aos contextos. Por exemplo, um analfabeto em termos de alterações climáticas pode existir, mas apenas com limitações na compreensão das causas e consequências. Os produtos industrializados são bens agrícolas transformados em produtos alimentícios prontos a consumir, que contêm ingredientes intermédios obtidos por processos químicos, físicos e biotecnológicos. O processo inicia-se com a colheita, o transporte, a embalagem e a distribuição dos produtos finais, com o objectivo de melhorar a durabilidade e a conservação dos alimentos, bem como facilitar a sua distribuição em diferentes locais e aumentar o comércio em grande escala (Patrick, 2022). Neste processo, são utilizados aditivos naturais extraídos de plantas, como algas, fungos e frutas, para melhorar a cor, a textura, o sabor, reduzir a contaminação e aumentar o prazo de validade. Os aditivos sintéticos ou artificiais são substâncias inexistentes nos produtos naturais, sendo utilizados para reduzir os custos, conservar e aumentar o prazo de validade do produto (Lankanayaka et al., 2024). Os produtos ultraprocessados envolvem diversas etapas e diferentes indústrias, como a fraccionagem ou trituração de alimentos integrais em substâncias (açúcar, óleo, gordura, proteína, amidos e fibra), a hidrólise e a hidrogenação (gorduras), a extrusão (compostos) e a adição de corantes, aromas e emulsifisier para criar um produto hiperpalatável com embalagens sofisticadas (materiais sintéticos) (Monteiro et al., 2019). Geralmente, os ingredientes mais utilizados nos produtos ultraprocessados são o açúcar, os aromas/corantes e os emulsifisier. Normalmente, o rótulo do produto contém informações sobre os ingredientes, de acordo com as leis de cada país. Verifica-se que a lista contém ingredientes característicos que não são usados na cozinha doméstica ou classes de aditivos, conforme Monteiro et al. (2019), como, por exemplo, hidrolisados, proteína de soja isolada, glúten, caseína, proteína do soro de leite, "carne separada mecanicamente", frutose, xarope de frutose, xarope de milho, xarope, concentrado de sumo de fruta, sacarose, maltodextrina, dextrose, lactose, fibras solúveis ou insolúveis, óleos interesterificados ou outras fontes de proteína. Os produtos industrializados e ultraprocessados possibilitam reduzir a escassez de produtos, assegurando a segurança alimentar. Contudo, segundo Poore e Nemecek (2018), 26% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) a nível mundial resultam da cadeia alimentar e da forma de abastecimento. Sem dúvida que existe um silêncio académico quanto aos efeitos dos alimentos processados nas alterações climáticas. A proliferação de alimentos ultraprocessados (por exemplo, biscoitos, produtos de pastelaria, “nuggets” de frango, refrigerantes com açúcar, margarina, etc.) no mercado global é movida pela conveniência, pelo sabor artificial e pelos elevados lucros das marcas alimentares, sem avaliação dos respectivos impactos na saúde e no ambiente. As embalagens (resíduos sólidos) contêm propriedades carcinogénicas e disruptoras endócrinas que podem causar problemas ambientais e de saúde. O poder das indústrias alimentares na produção de alimentos artificiais/ultraprocessados verifica-se na sua influência sobre as políticas públicas (leis, tendências académicas, advocacia de ONGs e políticos) e no que pode ser cultivado, produzido, comercializado e vendido nos mercados internacionais. A consciencialização dos cidadãos, numa situação de vulnerabilidade aos produtos ultraprocessados, torna difícil a rejeição dos mesmos. Aliás, o investimento das indústrias de produção de publicidade ou marketing coloca a sociedade em primeiro lugar no que se refere ao consumo e não à prevenção da saúde e do ambiente. O assunto da produção de resíduos sólidos é um problema bastante acessível, pois as leis protegem o produtor mais do que o consumidor. Na sociedade materialista, neste caso Moçambique, em que a provisão das necessidades básicas é um “diamante nas mãos do não merecido”, os impactos e as consequências das alterações climáticas têm sido relegados para segundo plano. O grande dilema com que a sociedade e os grupos de pressão se deparam é que todos conhecem a realidade, mas ninguém está pronto para a enfrentar ou para a confrontar de forma séria. Os discursos e activismos ilusórios são os alertas mais visíveis e dirigidos aos (in)culpados, a “injustiça das justiças”. O bem do planeta é mediatizado, mas não humanizado, o que leva a que se faça menos esforço para cuidar do único planeta que temos. Enquanto a classe iluminada se consagra ao consumo de produtos artificiais, as mudanças de comportamento em relação à má-nutrição são lembradas apenas quando se está à beira de doenças causadas por alimentos artificiais. Portanto, a comunicação de forma alfabetizada sobre os produtos ultraprocessados é crucial para mitigar o impacto das alterações climáticas. É necessário repensar a forma de exercer a advocacia, tanto para o “provocador” como para o “sacado” no que se refere ao direito à saúde e ao ambiente. A comunicação alfabetizada e humanizada deve ser vista como um meio de alcançar a justiça climática e a saúde para a sociedade, independentemente da classe social. A solidariedade orgânica, na perspectiva de Émile Durkheim, pode gerar uma interdependência e coesão social que incentive cada um a fazer a sua parte para alcançar o bem comum.

2025/12/3