Alípio Freeman"
A crise entre as Forças de Defesa e Segurança (FDS) e a população moçambicana atingiu um ponto crítico. O conflito não é entre inimigos naturais, mas entre irmãos separados pelo fardamento e as armas. Fora disso, são todos filhos da mesma terra, vítimas da mesma precariedade, reféns de um sistema que suga suas forças e lhes rouba o futuro. O verdadeiro problema está na política: uma política feita por homens gananciosos, que usam o Estado para alimentar os próprios interesses e sacrificam o povo no altar da sua ambição.
As FDS, que deveriam proteger o cidadão, foram transformadas em ferramenta de repressão ao serviço de uma elite política que se perpetua no poder. Em vez de defender o país, são manipuladas para manter privilégios de uns poucos. Maquiavel ensinava que um príncipe prudente deve saber equilibrar a força e a astúcia, mas os políticos moçambicanos aplicam essa lição de maneira perversa, utilizando as forças de segurança como escudo para seus desmandos. Infiltram homens de confiança nos comandos das FDS, garantindo que as instituições sigam protegendo seus interesses e não os do povo.
A violência gerada por essa relação corrompida só aprofunda o fosso entre as FDS e a população. Hobbes dizia que sem um Estado forte e justo, os homens voltam ao estado de natureza, onde reina a lei do mais forte. Quando as instituições deixam de garantir segurança e justiça, o povo perde a fé e começa a buscar alternativas – algumas pacíficas, outras violentas. Locke, por sua vez, alertava que a legitimidade de um governo depende de sua capacidade de proteger os direitos fundamentais da população. Quando isso não acontece, a população tem o direito de resistir.
Essa crise não é isolada. Muitos países africanos enfrentam o mesmo dilema desde a independência. Ali Mazrui argumentava que os Estados africanos falharam em criar instituições fortes e inclusivas, resultando em governos autoritários que tratam o próprio povo como inimigo. Fanon, por sua vez, denunciava o perigo de elites que, ao invés de libertarem seus países do colonialismo, apenas assumiram o lugar dos antigos opressores, mantendo as mesmas estruturas de dominação.
A solução para essa crise passa pelo restabelecimento do contrato social. Rousseau defendia que o Estado deve ser um reflexo da vontade do povo, e não um instrumento de opressão. Montesquieu apontava a separação de poderes como essencial para evitar abusos. Moçambique precisa de uma reforma profunda nas FDS, garantindo que seu comando seja independente dos interesses políticos e que sua missão seja verdadeiramente servir e proteger o povo.
A independência de Moçambique proclamada no Estádio da Machava em Junho de 1975, e vista por muitos como sendo o ponto zero para o descalabro, que começou com indefinicoes ideológicas e um tribalismo que degenerou em conflitos mortais, que levaram grandes homens filhos desta nação a tumba nas matas de Nachingwea e mtelela. Há quem diga que ee para Machava que devemos voltar simbolicamente. Ou há quem prefira recuar para Lusaka e rever os acordos de 1974. Ou mesmo há quem prefira recuar para 1962 e dissolver a frente permitindo que cada movimento voltasse a ser autónomo. Entretanto, para mim ee mais fácil voltar ao Estadio da Machava, não pela proximidade geográfica ou temporal, mas porque ali foi enterrado o embrião de um país nascido a cesariana, tendo sido um parto difícil, cercado de erros que nunca foram corrigidos e que ate hoje nos ressentimos deles. A celebração dos 50 anos de independência não pode ser apenas um evento de discursos vazios e festas oficiais. Precisa ser um marco de recomeço. Um restart, como se diz nos corredores e nas redes sociais. Um novo começo que resgate o verdadeiro sentido da independência e devolva ao povo a dignidade e o poder que lhe foram negados.
As FDS precisam se libertar das correntes políticas e reencontrar sua verdadeira missão. Há exemplos no mundo de forças de segurança que cumprem seu papel sem se deixarem instrumentalizar pelo poder. Exércitos profissionais e forças policiais modernas sabem que seu compromisso é com o povo e não com os governantes de turno. Moçambique precisa seguir esse caminho, antes que seja tarde demais.
O país está numa encruzilhada. Ou escolhe reconstruir a confiança entre Estado e sociedade, garantindo justiça e segurança para todos, ou continua a deslizar para um abismo onde a vida humana perde valor e a brutalidade se torna norma. O destino está nas nossas mãos. E a hora de mudar é agora. A solução para crise nunca será politica, enquanto a entendermos como um jogo sujo e imoral.
2025/12/3
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