Alípio Freeman"
Há nomes que transcendem o futebol. Dominguez não é apenas um jogador: é um capítulo inteiro da história de Moçambique escrito em suor, dor, alegria e lágrimas. É o menino maravilha que, vindo do nada, conquistou tudo. É o capitão que, durante quase vinte anos, se ofereceu como escudo de uma seleção tantas vezes desfeita e desmoralizada. Jogou condicionado, jogou magoado, jogou quando tudo parecia perdido. Jogou porque acreditava, porque amava a camisola.
E, no entanto, é assim que a pátria lhe paga: com o silêncio cúmplice da Federação e com o desprezo público do seu treinador. Chiquinho Condé não o excluiu apenas da convocatória – excluiu-o da narrativa, apagou um pedaço da memória coletiva, assassinou o carácter de um homem que ergueu bandeiras quando todos já tinham desistido de acreditar.
Não há como esconder: a forma dura, quase humilhante, com que o treinador falou de Dominguez é um insulto. Não a um jogador em fim de carreira, mas ao mais internacional da nossa história, ao rosto de uma geração, ao capitão que, mesmo nos dias mais sombrios, teve coragem de olhar o povo nos olhos.
Chiquinho já o tinha feito antes. Zainadine Júnior sentiu. Paito também. Outros, no silêncio dos clubes, carregam cicatrizes semelhantes. O autoritarismo com que conduz o balneário parece sempre maior do que a própria responsabilidade técnica. Hoje, a vítima é Dominguez. Amanhã, será outro. É a lógica do poder pelo poder, da vaidade disfarçada de autonomia.
Mas o que mais dói não é a frieza do treinador. É a hipocrisia da Federação. Há pouco tempo, foi Chiquinho quem esteve à beira da queda. Bay Sidat, impaciente, já lhe apontava a porta de saída. Foi o povo, foi a comoção nacional, foram os próprios jogadores – e entre eles Dominguez – que o seguraram. Todos vimos as imagens: Chiquinho chorando no ombro de Dominguez, pedindo confiança, implorando unidade. E agora? Agora é esse mesmo Dominguez quem, segundo ele, deveria ligar a pedir uma convocatória. Que ironia cruel!
A relação entre treinador e capitão é como a de um pai com o filho. Quando há divergências, é o pai quem chama para a conversa, quem abre espaço para a reconciliação. Mas Chiquinho preferiu virar costas, deixando que a arrogância falasse mais alto. Assim não se constrói família, nem se sustenta uma nação desportiva.
O respeito por Dominguez não é questão de opinião. É um princípio. É uma questão de Estado. Ele não é apenas um jogador descartável, desses que se substituem na folha da convocatória. Ele é a memória viva de uma selecção que tantas vezes respirou graças ao seu coração generoso. Quando a pátria se desmoronava em crises políticas, em miséria estrutural, em desilusões sem fim, foi Dominguez quem entrou em campo, ergueu os braços e disse ao povo: “Ainda vale a pena acreditar”.
Ciclos fecham, sim. A idade pesa, é inevitável. Um dia todos perdemos o trono. Mas nem o peso dos anos, nem a chegada natural de novos talentos, podem justificar o assassinato de carácter. A exclusão pode ser técnica, mas o respeito é inegociável.
O que se exige hoje não é que Dominguez seja chamado por pena, nem que seja eterno na selecção. O que se exige é que seja tratado com a dignidade que merece. Porque sem memória não há identidade, e sem identidade não há futuro.
A Federação pode fingir que não entende, mas o povo entende. O povo não pede milagres aos Mambas. Pede dignidade. E dignidade começa por reconhecer aqueles que carregaram o peso da nação nos ombros. Se Dominguez cai sem honra, todos caímos com ele
2025/12/3
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