Alípio Freeman"
A recente aproximação entre Venâncio Mondlane e Daniel Chapo, merece uma sincera analise antes da congratulação, e não é por cepticismo, pelo contrario, configura- se como um gesto de responsabilidade tendo em conta o histórico dos acordos políticos firmados que não conseguiram trazer mudanças no sentido da consolidação do estado nacional e reduzir as clivagens politicas e a cima de tudo a promoção do bem estar social tão almejado e que a cada dia que passa parece mais uma miragem. Entretanto, num país mergulhado numa profunda crise de identidade nacional, onde a intolerância cresce e o ódio alastra como fogo em capim seco, é imperativo reconhecer o simbolismo que representa o simples acto de sentar-se à mesma mesa, ainda que num cenário de esforços pseudo-institucionalizados para a pacificação nacional. É preciso, com honestidade intelectual, afirmar que a democracia moçambicana falhou em consolidar o processo de criação de um Estado com os requisitos que verdadeiramente justificam a sua existência. Não basta a territorialidade para se falar de Estado. É necessário um espírito de pertença, uma identidade comum que una o povo, uma consciência colectiva de que somos parte de um projecto comum. Em Moçambique, esta consciência é fragmentada, e a pertença, frequentemente, é substituída por sectarismos perigosos que aprofundam a exclusão e alimentam o sentimento de não pertencimento a um Estado que se limita à geografia, sem alma nem representação real. A ausência de uma identidade nacional sólida fragiliza qualquer tentativa de consolidação do Estado. A percepção de que os recursos do país são distribuídos com base em filiações partidárias e laços de lealdade ao partido no poder mina completamente o princípio da universalidade do Estado. O cidadão comum vê-se como estranho em sua própria pátria, onde os direitos e oportunidades se tornaram privilégios reservados à elite política e aos seus associados. É por isso que o gesto de Mondlane e Chapo, ao se reunirem, carrega um peso simbólico notável. Representa, acima de tudo, a aceitação de que Moçambique precisa de todos os moçambicanos, mesmo daqueles com quem se discorda. Representa a coragem de reconhecer o outro, não como inimigo, mas como parte legítima do corpo nacional. É, em certo sentido, um eco tardio do que deveria ter sido o espírito pós-eleitoral: o respeito pela pluralidade, pela vontade soberana do povo e pela necessidade de diálogo contínuo. Todavia, este encontro também escancara uma realidade dolorosa: a democracia em Moçambique continua a ser negociada à margem das urnas. Cada gesto de reconciliação entre figuras políticas, embora necessário, revela o fracasso do processo democrático enquanto canal legítimo de alternância e participação. Quando os consensos se impõem fora do espaço institucional e os resultados eleitorais não refletem a vontade popular, a democracia transforma-se num simulacro, numa encenação que mantém as aparências enquanto o conteúdo é corroído. As instituições de justiça eleitoral, longe de serem guardiãs do processo democrático, tornaram-se os seus algozes. Comandadas por interesses alheios à nação, servem hoje de instrumentos de legitimação de fraudes, corrupção e manipulação. A sua parcialidade é visível e indiscutível. Em cada ciclo eleitoral, reaparece o mesmo cenário: queixas ignoradas, mortos nas ruas, repressão às manifestações e, ao fim, a consagração de resultados previamente decididos nos bastidores do poder. A Frelimo ensinou aos seus membros que tudo tem um preço. Este ensinamento destrutivo instalou-se profundamente nas instituições públicas, onde magistrados que deveriam ser exemplos de integridade se tornam cúmplices de crimes contra a democracia. Alguns aparecem publicamente a reclamar a falta de independência, mas são lamentos vazios, meras formalidades, pois na prática se juntam à mesa do poder para rir da desgraça de um povo sem justiça. Neste contexto, a aproximação entre Chapo e Mondlane, por mais bem-intencionada que seja, não deixa de ser uma derrota para o ideal democrático. Um povo verdadeiramente soberano escolhe os seus líderes nas urnas, não assiste a reconciliações tardias entre elites políticas, como se isso fosse substituto de processos transparentes. O que se vê é a transformação de processos eleitorais em meras etapas formais, desprovidas de significado, onde o povo vota por ritual, mas o resultado é sempre decidido por interesses obscuros. A consequência directa disto é o crescente desinteresse pela participação política. Os jovens, que deveriam ser os primeiros a se engajar na construção do futuro, estão descrentes. Apesar de se conotar o eleitorado moçambicano como irracional nas suas escolhas, urge desconstruir esta tendência minimalista e até preconceituosa, pois os resultados reais demonstram um voto com tendência punitiva e a penalizar o partido do dia pela má gestão do estado. E, mesmo os que não votam, é preciso assinalar uma certa racionalidade nesse acto, não se trata de ignorância cívica, mas de uma constatação racional: o voto já não vale nada. A política foi sequestrada, e com ela, a esperança. Ainda assim, congratulo a ideia de consensos que beneficiem o povo. Mas que estes consensos não sirvam de escudo para perpetuar o status quo. Que sejam o início de um processo verdadeiro de reforma institucional, que culmine na purificação da justiça eleitoral e no resgate da confiança pública. É imperioso que se introduza incerteza democrática nos processos eleitorais — incerteza no sentido de que ninguém tenha garantida a vitória antes da votação. Que se devolva ao povo a soberania, que se restabeleça o valor do voto e se respeite, acima de tudo, a vida humana. Não podemos continuar a enterrar cidadãos a cada pleito eleitoral. Não podemos continuar a negar o óbvio: Moçambique está doente, e a cura começa por reconhecer que a democracia, tal como está, não serve ao povo, serve a interesses instalados, aos que vivem da manipulação e da exclusão. Que este encontro entre Chapo e Mondlane seja um ponto de partida, mas que o verdadeiro destino seja um país onde a política se faça com base na vontade popular, e não em negociações privadas. O povo moçambicano merece mais, merece justiça, transparência e dignidade. E tudo isso começa com coragem: Coragem de mudar, coragem de desconstruir um sistema ineficaz e improdutivo. Não é necessariamente coragem de dizer basta, mas coragem de questionar o porque de continuarmos assim quando temos tudo para viver melhor.2025/12/3
Copyright Jornal Preto e Branco Todos Direitos Resevados . 2025
Website Feito Por Déleo Cambula