100 Dias de Chapo: Entre a Tocha dos 30 milhões e as Omeletes sem Ovos

Alípio Freeman"

Aos primeiros 100 dias de uma governação constituem um período ainda que curto mas crucial para compreender o rumo de determinada governação, sobretudo num contexto de instabilidade institucional, feridas eleitorais mal saradas e um país socialmente fracturado e um sistema de partido dominante e uma democracia de fachada. No entanto, esse marco simbólico serve para perceber os sinais iniciais, os gestos prioritários e, sobretudo, a orientação política e ética de um novo governo. E os sinais, infelizmente, são inquietantes. A comunicação à nação feita por Daniel Chapo, com destaque para a infeliz metáfora de que seu governo conseguiu “fazer omeletes sem ovos”, sintetiza de forma precisa o drama que se avizinha: temos um governo mais preocupado com a encenação do que com a resolução concreta dos problemas do país. O novo presidente chega ao poder numa das fases mais delicadas da história recente de Moçambique. Herdou um país dividido, com instituições em crise de credibilidade e um povo profundamente desconfiado de tudo o que emana das estruturas estatais. A sua ascensão ao poder esteve envolta em denúncias de fraude eleitoral, repressão, mortes, desaparecimentos e perseguições políticas. Ou seja, Chapo assumiu uma cadeira de poder ferida na sua legitimidade, e por isso mesmo, esperava-se que seus primeiros passos fossem marcados por sinais fortes de mudança de atitude, responsabilidade e aproximação às reais necessidades da população. No entanto, o que se viu nestes 100 dias foi um governo mais preocupado em reproduzir os rituais simbólicos do partido que o colocou no poder do que em apresentar um plano mínimo de resposta aos graves problemas que o país enfrenta. A metáfora das omeletes sem ovos, longe de ser apenas um recurso retórico, acaba por revelar a essência de um governo que tenta fazer parecer que faz, enquanto não faz. E pior: gasta-se em actos desnecessários e cerimoniais, quando o povo está afundado na miséria, os salários em atraso e os serviços públicos em colapso. O exemplo mais gritante dessa má definição de prioridades é o gasto de mais de 30 milhões de meticais para a circulação da chamada “Tocha Presidencial”. Sob o pretexto de celebrar os 50 anos da independência nacional, essa iniciativa revela-se uma verdadeira manobra de propaganda partidária, num momento em que os recursos do Estado deveriam ser canalizados para enfrentar questões urgentes como o pagamento de salários, a crise no sistema de saúde, o fornecimento de medicamentos, a qualidade da educação e a segurança alimentar. A tocha, longe de ser um símbolo de união, converteu-se numa vela acesa para iluminar a nostalgia de um partido cada vez mais afastado da realidade social. É mais uma tentativa do partido Frelimo de recuperar capital político através da história, substituindo o projecto de futuro pela memória selectiva do passado. Não menos grave é o anúncio de gastos que rondam os 100 milhões de meticais para sustentar uma série de diálogos com líderes da oposição sob o pretexto de pacificação nacional. Trata-se de um exercício político oco, sem substância nem legitimidade, que visa apenas alimentar a narrativa de reconciliação num contexto onde a violência política continua activa, e os mesmos que se dizem pacificadores são acusados de patrocinar o terror. Os interlocutores escolhidos são figuras amplamente contestadas, sem representação efectiva das comunidades que se quer pacificar. Assim, o que se apresenta como diálogo, na verdade, é um espectáculo dispendioso que visa lavar a imagem do partido no poder e promover a aparência de abertura política. Um país com funcionários públicos sem salários, hospitais sem medicamentos e fornecedores do Estado à beira da falência não pode dar-se ao luxo de financiar diálogos vazios e cerimónias inúteis. Há um padrão claro: um governo que age sem um plano coerente, mas que tenta compensar essa ausência com gestos teatrais e símbolos de fachada. Não se conhece, até agora, qualquer plano económico consistente do governo de Chapo. Nenhuma política concreta de combate à corrupção foi anunciada. Não há medidas visíveis de reforma administrativa ou de reorganização dos serviços públicos. O discurso da estabilidade serve como biombo para esconder a ausência de medidas estruturantes. Pior: os sinais emitidos mostram um Estado refém das agendas do partido, incapaz de estabelecer uma agenda nacional própria. É preciso reconhecer que Chapo não preparou um projecto para o país antes de assumir o cargo. Foi escolhido como uma peça de reposição dentro de uma máquina partidária em crise, que precisava desesperadamente apresentar um rosto novo para continuar a mesma política de sempre. Mas ser novo não é suficiente. A juventude do presidente não o isenta de responsabilidade. Ao contrário, o obriga a romper com os vícios herdados. No entanto, o que se vê até agora é um presidente que se limita a obedecer aos rituais do partido e a sustentar com os recursos do Estado as orgias simbólicas de um poder cada vez mais vazio de sentido. A metáfora da “capoeira com galinhas sem útero”, que corre em círculos políticos e populares, é brutal mas pertinente: Chapo herdou uma estrutura de governo já desfeita, sem capacidade de produção real, sem legitimidade orgânica e sem compromisso com os fundamentos da democracia. As instituições do Estado, longe de se comportarem como instrumentos do bem comum, operam como células partidárias e mecanismos de dominação. A democracia, nesses moldes, parece sistematicamente condenada ao fracasso. Quando há divergência de ideias, a resposta tende a ser a força, e não o diálogo institucional. Os consensos, quando existem, são forjados nos bastidores, com base em interesses privados e não em vontades populares. E isso explica por que há um vazio de poder, um silêncio governativo perturbador e uma ausência crescente do Estado nos territórios mais necessitados. O presidente Chapo ainda tem tempo para inverter este cenário. Mas isso exigirá coragem política, capacidade de romper com as imposições do partido e a construção de uma agenda baseada nas reais urgências do país. Enquanto isso não acontecer, os moçambicanos continuarão a assistir a um teatro governativo onde se fala muito de omeletes, mas onde falta pão na mesa, medicamentos nos hospitais e dignidade nas instituições. A paciência do povo tem limites.

2025/12/3