Os Guambes e a música chope como garante da coesão e integridade do grupo

Alberto Mudjadjo"

Os Guambes são resultado de associação de grupos de várias origens e a sua continuidade e mudança podem ser observadas ao longo do tempo, assim como a mudança do nome ndonge para “txopi”. Os vatxopi (plural) são um conglomerado de tribos ou segmentos de tribos, emigradas de vários pontos, quanto à composição étnica dos vatxopi, a literatura da época pouco pode fornecer pois, as tribos do sul de Moçambique foram irremediavelmente fragmentados e desenraizadas do seu habitat tradicional, subjugados e compelidos à aceitação estrangeira. Os Guambes descritos pelos missionários em 1560 proviriam directamente do país Caranga. Os antepassados dos actuais Guambes teriam partido da terra dos Vendas (África do Sul) e espalharam-se na margem do Rio Limpopo formando os mindongue de costumes bem diferentes. Deles derivariam os régulos Guambe Grande e Guambe Pequeno ambos da circunscrição de Inharrime. Os Guambes vivem junto ao litoral e a sua história está ligada ao poder político, ao serviço dos régulos, das autoridades coloniais e ao reino de Monomotapa. A sua estrutura foi formada por elementos de múltiplas origens étnicas, mas com predomínio original, de Chona-Carangas, pelo que a difusão da Mbila na área txopi deve-se à queda do império do grande Zimbabwe ou do Monomonotapa, pois os Chona-Carangas deslocaram-se ao sul do rio Save, a Timbila (xilofones) dos vatxopi são quase idênticos com os pianos dos Carangas. A música txopi é uma das mais complexas, interessantes e referenciadas formas de música em África, com vários séculos de aperfeiçoamento formal, de estilo e dos instrumentos. Os característicos conceitos africanos de expressão pessoal no quadro de formas escritas, de liberdade individual dentro da unidade do grupo, de integração das dimensões pessoal e societária através de ritmos antagónicos, são evidentes nesta dança. Cumbe (2000), reitera que a etnia txopi emerge reconhecida por mindongues e pelo uso de arco e flecha a residir em Khokholos (povoações definidas por estacas ou paliçadas), que constituíam meios de defesa contra as ameaças externas e ainda reconhecida pela música das timbilas. Politicamente, este grupo não era coeso, encontrava-se dividido e em desintegração devido a lutas internas onde intervieram os portugueses e o Estado de Gaza. O reino Guambe era bastante grande e densamente povoado, culturalmente definido por uma história de sincretismos, migrações e fusões. Possuem régulos autónomos e um sistema de parentesco do tipo Omaha e culturalmente se distinguem pelo fábrico da timbila. Com a reconstituição do tecido social, emerge o Estado de Gaza, coordenado por uma monarquia centralizada, e que arregimentou e submeteu várias chefaturas e reinos incluindo os Guambes. Muitos destes chefes que interagiam nos conflitos acreditavam nos espíritos dos antepassados e permaneceram na memória através de músicas onde a sua presença enriquece e molda as relações sociais, contribuindo para o bem-estar e defesa da sua integridade. Este tema é muito importante, pois surgiu da constatação do valor que a música txopi tem vindo a adquirir actualmente. O reconhecimento de timbila como património cultural da humanidade pela UNESCO em 2005 e a realização anual de Msaho (festival de timbila) desde 1995, constitui para a valorização, pelo mundo inteiro, da música txopi. Os vatxopi constituem um dos grupos étnicos minoritário no contexto da região sul de Moçambique, mesmo assim permaneceu impávido às vicissitudes da história da região, tendo resistido à invasão nguni, à dominação colonial e à guerra civil moçambicana. Em todos estes momentos indicados encontramos a música como um referencial forte na identidade do grupo. E a própria música constitui um repertório de memória colectiva ao retratar nos seus versos um teor de lutas sociais e, de tempo em tempo, quando a integridade do grupo é ameaçada, é usada como instrumento de combate ou de coesão em diferentes manifestações. A dança de timbila sugere exibições guerreiras e permite-nos perceber que de alguma forma tem uma certa função guerreira. A música txopi garante a coesão e integridade do grupo ao permitir uma interacção verbal e gestual, através do canto e dança, que apenas os membros do grupo são capazes de descodificar e pela qual denunciar as ameaças e apelar para a resistência. Por este motivo, pode-se entender que a música opera como uma espécie de agente unificador entre as pessoas, estabelecendo uma afinidade entre elas. Esta afinidade se manifesta especialmente nos eventos os quais a dança é realizada. Na hora de sua execução e nos encontros em que a música era executada, se formava um elo entre os indivíduos que admiram a música, formando um grupo de pessoas que compartilham uma linguagem musical comum, assim como ideias comuns sobre música e seus usos. A música e seus poemas desempenhavam uma interessante missão de regularização e de condicionamento de conduta individual em conformidade com os respectivos valores culturais, missões em que só eram igualados pelos aforismos. Reflectiam as condições sociais, criticavam as injustiças, os que não cumpriam os seus deveres e os que abusavam do seu poder e ridicularizavam a vaidade. A música txopi, além de transmitir um sentimento de revolta, promove um melhoramento da saúde física dos actores dado que exige esforço. Para além de outras tarefas, os actores se ocupam na orquestra evitando o seu envolvimento em tarefas ilícitas. A partir da música e do canto grupal, instaura-se um processo de interacção (comunicação) não-verbal entre os participantes. Desta forma, no momento do canto colectivo os participantes compartilham determinadas ideias e sentimentos presentes nas canções, o que provoca uma sensação de pertença a um grupo. Este grupo pode ser encarado como uma reunião de pessoas que se comunicam principalmente através da música executada nestes encontros. Ele engloba o conjunto de manifestações culturais, sociais e políticas, que se relacionam com a música e todos os que dela participam. Portanto, a música, sob uma forma mais ou menos rudimentar desempenha um grande papel na vida da tribo txopi onde todas as actividades são acompanhadas pela dança de timbila, normalmente os vatxopi não escrevem memórias, novelas ou livros, mas sim, guardam no seu íntimo, memória constituída por fonte oral e a sua música é o principal veículo de transmissão de conhecimentos e valores.

2025/12/3