Erro Médico: Até Onde Vai a Culpa, Onde Começa o Crime?

Adnécia Fumo"

Um simples procedimento médico, uma decisão de segundos, um erro humano e de repente, o médico está no banco dos réus. Em vez de um bisturi, enfrenta um processo judicial. Mas até que ponto o erro médico deve ser tratado como crime? E quando a falha deixa de ser um risco profissional para se tornar uma responsabilidade legal? Em Moçambique, a responsabilização de médicos tem ganhado destaque, principalmente em casos de mortes hospitalares e tratamentos mal sucedidos. Mas o debate vai além do hospital: estamos prontos para distinguir entre erro e crime? Ou estamos a transformar cada complicação clínica numa acusação? Errar é humano, até para quem salva vidas. O médico tem a obrigação de agir com cuidado, competência e atenção, mas não pode garantir resultados. Esse é o chamado dever de meio: ele deve fazer o melhor possível, mas a cura não é garantida. Um erro médico pode acontecer mesmo quando o profissional segue os protocolos. Por isso, nem toda consequência negativa para o paciente significa que houve negligência. É preciso analisar o caso com base técnica e jurídica. A responsabilidade civil entra em cena quando o paciente (ou seus familiares) sofre um prejuízo causado por um erro do médico. Esse prejuízo pode ser físico, moral ou material, e o profissional pode ser obrigado a indemnizar. O Código Civil moçambicano prevê a reparação de danos por ato ilícito. Para isso, é necessário provar três elementos: que houve conduta imprópria (negligência, imprudência ou imperícia); que o paciente sofreu dano; que o dano foi consequência direta daquela conduta. A fronteira entre o erro civil e o crime é delicada. O Código Penal de Moçambique prevê punições para quem causa morte ou lesões por negligência grave. Assim, um médico pode ser acusado de homicídio involuntário ou ofensas corporais negligentes, se ficar provado que ele agiu com descuido intolerável. Casos como operar o paciente errado, administrar medicamentos contraindicados sem consultar o histórico, ou abandonar o paciente em situação crítica podem resultar em processo penal e até prisão. Mas atenção: punir o erro honesto pode levar a outro problema grave o "medo de tratar". Médicos, com medo de serem acusados, podem evitar procedimentos de alto risco, prejudicando ainda mais o sistema. Em Moçambique, não se pode falar de erro médico sem falar das condições precárias do sistema de saúde. Muitos hospitais funcionam sem medicamentos, sem equipamentos básicos, e com pessoal sobrecarregado. Como exigir perfeição de um profissional que trabalha em turnos excessivos, sem instrumentos adequados e em ambientes caóticos? Quando o sistema falha, o erro deixa de ser apenas individual e passa a ser também institucional. É fundamental distinguir o erro causado por um ato irresponsável daquele causado pela falta de condições mínimas. Responsabilizar é justo. Perseguir é injusto. O que a sociedade precisa é de equilíbrio. É legítimo cobrar os médicos por falhas graves. Mas é perigoso transformar qualquer complicação em processo criminal. A medicina não é matemática. Nem todo tratamento dá certo. E nem todo erro é crime. O Direito deve proteger o paciente - mas também garantir ao profissional o direito à defesa, à presunção de inocência e a condições de trabalho seguras. Errar é humano - punir sem discernimento, é desumano. Médicos não são deuses. Também erram. E quando erram de verdade, devem sim ser responsabilizados. Mas é preciso separar o erro técnico do crime, o acidente da imprudência, a falha do descaso. A justiça deve curar, não ferir ainda mais. Para isso, é preciso julgar com sabedoria, não com raiva.

2025/12/3